O Segredo das Fazendas de Cria Top

Como a Estação de Monta Curta e a Eficiência Operacional Minimizam Riscos e Maximizam Arrobas?

A pecuária de corte, especialmente o sistema de cria (produção de bezerros), está em um momento oportuno para discussão, dada a iminência de uma potencial subida no preço da arroba e a perspectiva de um preço de bezerro mais alto no futuro. No entanto, a decisão de focar na cria ou em outros sistemas deve ser baseada em processos maduros, pois o sistema de cria é complexo e demora para ser implantado.

O objetivo é claro: mostrar que fazendas bem estruturadas na cria têm rentabilidade e resultados muito próximos de outros sistemas de produção. A chave é a eficiência operacional e a implementação de processos que não apenas aumentam o lucro nos momentos de alta, mas também reduzem os riscos e os períodos de margem negativa na baixa do ciclo pecuário.

O Paradoxo da Cria: Alta Margem, Baixo Giro

O sistema de cria possui características inerentes ao negócio que, se não gerenciadas, podem complicar o resultado financeiro:

  1. Baixa Produção de Arrobas: A produção de arrobas por hectare e por cabeça na cria tende a ser inferior à recria/engorda ou sistemas mais intensivos. Isso ocorre porque o rebanho inclui um número grande de animais adultos (matrizes) que ganham pouco peso durante o ano.
  2. Custeio Baixo e Alta Margem: O sistema de cria opera geralmente com um custeio mais baixo quando não há compra de animais de reposição, o que resulta em uma margem operacional mais alta.
  3. Baixo Giro: Embora a margem seja alta, o giro do estoque é baixo. O lucro é determinado pela margem multiplicada pelo giro. Na cria, o baixo giro (a quantidade de estoque que se gira durante o ano) prejudica o resultado palpável, dificultando a conta final.

É fundamental, contudo, mudar a percepção de que a fazenda de cria vende apenas bezerros. O sistema de cria é, acima de tudo, um sistema de produção de arroba de carne. A receita anual significativa não vem apenas da venda de bezerros, mas também da venda de matrizes de descarte (vazias ou velhas) e de novilhas que ficaram vazias na estação.

O Perigo da Intensificação na Cria

Diferentemente da recria/engorda, o sistema de cria, devido ao seu giro menor, não tolera investimentos excessivos ou muita “brincadeira”. Aumentar o custeio em um sistema que naturalmente produz menos arrobas pode levar ao prejuízo, especialmente ao tentar adubar pasto ou colocar muitas vacas por hectare, pois exige estratégias caras para suportar a alta lotação no período seco. A intensificação só seria viável se houvesse alimentos suplementares (como DDG ou outros subprodutos) disponíveis em volume e preços compatíveis com a atividade.

As Estratégias que Diferenciam as Top Fazendas

A diferença entre a média das fazendas de cria e as top 20% é gritante e se deve a processos bem estabelecidos, maduros e tecnologias embarcadas.

Analisando o benchmark da Exageric, o contraste é evidente:

  • Resultado Operacional/ha: Média de R$ 266 contra R$ 781 das Top 20% (cerca de três vezes mais).
  • Produção de Arrobas/ha: Média de 4.4 arrobas contra 6.2 arrobas das Top 20% (crescimento de 50%).
  • Rentabilidade: Média de 8% contra 19% das Top 20%.

Para alcançar esses números, as fazendas mais eficientes concentram-se em dois processos cruciais, todos interligados à curva de produção de forragem (capim):

  1. Ajuste da Taxa de Lotação

O ponto fundamental para a cria é o ajuste da taxa de lotação. Uma lotação inadequada (acima ou abaixo do que o pasto comporta nas águas) pode comprometer a massa de forragem disponível para o período da seca e afetar as estações de águas seguintes.

  1. A Estação de Monta Curta

A principal tecnologia de manejo que complementa o ajuste da lotação é o encurtamento da estação de monta. Uma estação de monta mais curta traz vantagens que se complementam:

  • Alívio da Taxa de Lotação na Seca: Permite que grande parte dos nascimentos e desmamas ocorra no período das águas ou transição, aliviando o pasto na seca.
  • Descarte Antecipado de Matrizes Vazias: O toque de gestação pode ser feito mais cedo. As vacas vazias são diagnosticadas em janeiro/fevereiro.
  • Engorda com Custo Reduzido: Identificar cedo as fêmeas de descarte permite que elas sejam engordadas enquanto o pasto ainda está verde, com custo nutricional mais baixo. Isso é crucial, pois engordar uma fêmea vazia na pastagem seca é muito mais caro.
  • Não Competição por Capim Seco: Ao abater as vacas vazias mais cedo, elas não competem pelo escasso capim seco, que pode ser direcionado para categorias mais exigentes (novilhas em recria, vacas gestantes, bezerros de desmama).
  • Padronização e Manejo: Permite padronizar os bezerros, pois nascem com idades mais próximas, facilitando a formação de lotes para venda ou manejo dentro da fazenda.
  • Seleção Genética: Ajuda na seleção para fertilidade. Apenas matrizes que emprenham dentro do período estipulado permanecem na fazenda, acumulando genes que se traduzem em precocidade sexual, maior taxa de prenhez e habilidade materna para desmamar bezerros mais pesados.

Além disso, fazendas top conseguem trabalhar com a precocidade, fazendo com que as fêmeas entrem em monta aos 13 ou 14 meses, eliminando virtualmente uma categoria de recria dentro da fazenda, o que representa um enorme salto de eficiência.

Um Ponto de Atenção: Manejo de Novilhas (Primíparas)

Embora a precocidade seja desejável, as novilhas (que se tornarão primíparas) são bastante exigentes, pois precisam produzir leite, manter a condição corporal e crescer simultaneamente. Uma estratégia comum, embora sem regras fixas, é julgar a estação de monta das novilhas um pouco depois das matrizes. Se parirem muito cedo ou no período seco, isso pode prejudicar o score corporal delas, levando a uma menor taxa de prenhez na estação seguinte.

Eficiência Operacional é o Amortecedor

A eficiência operacional é o ponto forte que garante o resultado e a sobrevivência do negócio. Fazendas de cria que investem em processos maduros — como o ajuste da taxa de lotação e o encurtamento da estação de monta — conseguem sincronizar a necessidade nutricional do rebanho com a curva de produção da fazenda, promovendo um custeio mais baixo.

Ter boas estratégias melhora o resultado e, em momentos ruins do ciclo pecuário (fundo do poço), a eficiência operacional atua como um amortecedor para minimizar os riscos e evitar que a fazenda atinja margens negativas. É crucial, portanto, a gestão dos números e indicadores para transformar os resultados.

 

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