Alternativas estratégicas de manejo e tecnologias que reduzem as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em propriedades agropecuárias

Maria Erika Picharillo
Analista de sustentabilidade AgroHUB

Olá, Caro Leitor!

Nesse artigo, iremos descrever práticas e tecnologias que podem ser realizadas dentro de fazendas agropecuárias e que visam estabelecer sistemas produtivos de baixas emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), atendendo as demandas atuais e futuras por produtos agropecuários sustentáveis.

No artigo anterior foi relatado que, dentro de uma fazenda, a fermentação entérica gerada pelos bovinos é a maior responsável pelas emissões de CO2e do setor agropecuário. Nesse sentido, utilizar de tecnologias que tenham como estratégia a manipulação da fermentação ruminal e precocidade animal (que impacta na redução do tempo de abate) dentro do ciclo produtivo podem ser alternativas eficazes para reduzir as emissões de GEE pelos bovinos.

Principais atividades envolvidas no balanço de Carbono de uma propriedade agropecuária

Por essa razão, serão listadas a seguir algumas práticas e/ou tecnologias associadas ao manejo do rebanho que possibilitam melhorias produtivas e, consequentemente, reduzem as emissões de GEE dentro da fazenda:

  • Manejo de pastagem

Realizar o bom manejo de pastagens é uma tecnologia muito eficaz para a redução de GEE, pois melhora a quantidade e qualidade da forragem ofertada aos bovinos, melhorando sua eficiência alimentar e reduzindo a produção de gás metano (CH4). Bovinos criados em sistemas que preconizam a altura ideal de pastejo podem emitir até 30% menos metano, quando comparados aos índices disponibilizados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas, o IPCC (Genro, et al., 2022).

Além da melhoria da eficiência alimentar pela oferta de forragem de melhor qualidade, quando os pastos são bem manejados, é possível aumentar o armazenamento de carbono (C) no solo, o que pode ajudar a reduzir a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. O solo é um grande reservatório de C, e práticas de manejo de pastagens, que provocam a manutenção de cobertura vegetal contínua, podem aumentar a quantidade de C armazenada no solo, e em alguns casos, pode ser possível até neutralizar as emissões de GEE resultantes do sistema de produção analisado.

  • Utilização de aditivos alimentares na nutrição animal

Dentre as tecnologias existentes, estão disponíveis os aditivos nutricionais, que são ingredientes utilizados na alimentação animal que acrescentam, adicionam ou potencializam uma resposta favorável para fins de desempenho e/ou sanidade dos animais. Os aditivos ionóforos são os mais utilizados para este fim, por reduzirem a população das bactérias metanogênicas do rúmen, e, consequentemente, reduzirem a produção de metano no processo de digestão.

Os aditivos ionóforos podem ser utilizados para animais criados em sistemas de pastagens ou confinamentos. Além disso, os ionóforos também aumentam a eficiência alimentar dos animais, o que pode reduzir a quantidade de alimento que é fermentado no rúmen e, portanto, reduzir a produção de CH4. Ao melhorar a eficiência alimentar, os animais podem produzir mais carne ou leite com menos alimento, o que reduz a pegada de carbono da produção de alimentos.

Os ionóforos comerciais registrados no Brasil são: monensina, lasalocida, narasina e salinomicina (Medeiros et al., 2020).

  • Nutrição animal

Dietas ricas em proteína e energia favorecem o aumento do desempenho e a redução das emissões de CH4. Fatores dietéticos, como tipo de carboidrato, inclusão de gordura, processamento de forragens e nível de ingestão de ração, demonstraram influenciar a emissão desse gás.

Os microrganismos envolvidos na digestão de dietas ricas em celulose ou dietas ricas em carboidratos são diferentes e resultarão em diferentes níveis de CH4 produzidos. Bovinos alimentados com dietas ricas em carboidratos geralmente têm uma taxa de ganho mais alta e produzem menos CH4 como resultado do processamento da dieta.

Dietas mais digestíveis permitem que os nutrientes sejam absorvidos mais facilmente, reduzindo a fermentação no rúmen e, portanto, a produção de CH4. A suplementação com enzimas e probióticos pode ajudar a melhorar a digestibilidade da dieta.

A trituração e peletização das forragens aumenta a taxa de passagem e reduz o metano emitido pelo animal. As gorduras são uma fonte de alta energia e podem ser incluídas como parte da dieta com um efeito inibitório na produção de CH4, pois a gordura pode ser tóxica para os microrganismos produtores de CH4.

Os produtores podem aumentar a lucratividade de sua operação incorporando carboidratos na dieta do gado por meio de ração, processando forragens e oferecendo uma dieta que inclua gordura insaturada. Cada um desses fatores demonstrou melhorar a eficiência alimentar e reduzir a produção de metano (Jones, 2014).

Vale ressaltar que a inclusão de ração na dieta dos animais deve ser sempre avaliada. Alguns pontos em estruturas como cochos, armazéns, maquinários e fábrica de ração devem ser bem planejados. No aspecto financeiro, a inclusão de ração na dieta tem impacto no fluxo de caixa da operação, de forma que os grãos podem ser mais caros em regiões longe dos centros produtores. Estratégias nutricionais sempre devem ser avaliadas considerando investimento e retornos financeiros.

  • Melhoramento genético

A seleção de animais com maior eficiência alimentar pode resultar em animais que produzem mais carne ou leite com menos alimento, reduzindo a qu

antidade de ali

mento que é fermentada no rúmen e, portanto, a produção de metano. Além disso, a seleção de animais com maior capacidade de utilizar nutrientes pode resultar em uma redução na quantidade de alimento necessário para atender às suas necessidades nutricionais, o que também pode reduzir a produção de CH4.

 

Existem evidências de que a variação genética dos animais afeta a composição da comunidade bacteriana e a produção de CH4 pelo rúmen (De Muller, et al., 2018). Além disso, estudos demonstraram que a produção de CH4 está relacionada com o peso do animal, a quantidade de matéria seca ingerida e a quantidade de energia bruta ingerida (Mercadante et al., 2015).

Em resumo, o melhoramento genético de bovinos pode contribuir para a redução da emissão de CH4 por meio da seleção de animais com características que favorecem a eficiência alimentar, reduzem a fermentação ruminal e, consequentemente, a produção de CH4.

  • Precocidade e eficiência produtiva

A precocidade animal pode contribuir para a redução da emissão de GEE por meio da redução do tempo necessário para que os animais atinjam seu peso de abate ou entrem no estágio reprodutivo. Quanto mais rápido os animais atingirem seu peso de abate ou criarem o primeiro bezerro, menos alimento será necessário para alimentá-los e, consequentemente, menos emissões de GEE serão geradas durante este período. Animais mantidos por períodos mais curtos no sistema produtivo emitem menos GEE do que animais mantidos por períodos mais longos.

Por fim, a precocidade animal pode ser benéfica para a produtividade do sistema como um todo. Com animais atingindo o peso de abate mais rapidamente, a taxa de renovação do rebanho pode ser aumentada, permitindo uma produção mais eficiente e reduzindo as emissões de GEE por unidade de produção.

  • Manejo sanitário

Animais doentes têm baixa produtividade e taxas de reprodução mais baixas em relação aos animais sadios. Manter a saúde do rebanho por meio de um bom manejo, que inclua a execução das atividades previstas no calendário sanitário e tratamento de animais doentes, reduzirá as emissões de metano e aumentará as taxas de crescimento e o desempenho reprodutivo.

  • Bem-estar animal

Padrões de bem-estar animal não podem ser alcançados em condições de saúde precárias, sendo que a piora da saúde do rebanho desencadeia mudanças comportamentais e metabólicas, como redução na ingestão de alimentos, redução na capacidade de digerir alimentos, aumento das necessidades de energia para manutenção e redução da produção de leite e carne. As melhorias na saúde podem reduzir as ineficiências da condenação de produtos e a menor produtividade de animais.

Em algumas circunstâncias, o bem-estar animal pode beneficiar a produtividade e, portanto, reduzir a intensidade de emissão de GEE. Melhorias significativas no bem-estar e na produtividade provavelmente podem ser alcançadas por meio de mudanças básicas na criação (LLONCH et al., 2017).

As práticas de manejo citadas nesse artigo reduzem as emissões de GEE geradas pelos bovinos, ao passo que contribuem de forma positiva no sentido econômico, pois aumentam a eficiência da produção animal. Portanto, essas práticas podem compor parte das estratégias do manejo do gado que os produtores utilizam para reduzir as emissões de GEE e, ao mesmo tempo, melhorar a produtividade e a saúde animal.

Na próxima postagem, iremos falar sobre sistemas integrados, e como estes sistemas impactam no balanço de GEE. Até breve!

Referência

DE MULDER, T.; PEIREN, N.; VANDAELE, L.; RUTTINK, T.; DE CAMPENEERE, S.; VAN DE WIELE, T.; GOOSSENS, K. Impact of Breed on the Rumen Microbial Community Composition and Methane Emission of Holstein Friesian and Belgian Blue Heifers. Livest. Sci., v.207, p.38–44, 2018.

GENRO, T. C. M.; VOLK, L. B. da S.; BERNDT, A.; CARVALHO, P. C. de F.; BAYER, C.. Emissões de metano entérico por bovinos de corte em pastagem natural com distintos níveis de intensificação. In: SOTTA, E. D.; SAMPAIO, F. G.; COSTA, M. de S. N. (org.). Coletânea de fatores de emissão e remoção de gases de efeito estufa da pecuária brasileira. Brasília, DF: MAPA: SENAR, 2020.

JONES, MANDI. Ways to Reduce Methane Production in Cattle. Institute of Agriculture and Natural Resources. University of Nebraska–Lincoln, 2014. Disponível em: <https://beef.unl.edu/reduce-methane-production-cattle>. Acessado em: 16 de abr. de 2023.

MEDEIROS, S. R.; DIAS, F. R. T.; MALAFAIA, G. C.; BISCOLA, P. H. N.. Aditivos para a redução da emissão de metano na pecuária. Centro de Inteligência da Carne Bovina (CiCARNE), 2020. Disponível em:<https://www.embrapa.br/documents/1355108/51748908/BoletimCiCarne029.pdf/a969566d-3f58-7a52-fd6d-f8e263a80db2>. Acessado em: 15 de abr. de 2023.

MERCADANTE, M.E.Z.; DE MELO CALIMAN, A.P.; CANESIN, R.C.; BONILHA, S.F.M.; BERNDT, A.; FRIGHETTO, R.T.S.; MAGNANI, E.; BRANCO, R.H. Relationship between Residual Feed Intake and Enteric Methane Emission in Nellore Cattle. Rev. Bras. Zootecv. 44, p. 255–262, 2015.

LLONCH, P.; HASKELL, M. J.; DEWHURST, R.J.; TURNER, S. P.. Review: current available strategies to mitigate greenhouse gas emissions in livestock systems: an animal welfare perspective. Animal. v. 11, n. 2, p. 274-284, 2017.

PICKERING, N.K.; ODDY, V.H.; BASARAB, J.; CAMMACK, K.; HAYES, B.; HEGARTY, R.S.; LASSEN, J.; MCEWAN, J.C.; MILLER, S.; PINARES-PATINO, C.S.; et al. Animal Board Invited Review: Genetic Possibilities to Reduce Enteric Methane Emissions from Ruminants. Animal. v. 9, p.1431–1440, 2015.

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