Luiz Felipe M. Rocha
Consultor Exagro
Hoje vamos falar sobre o confinamento estratégico de bezerros e seus benefícios para os animais, para o pasto e para o sistema como um todo. Para começarmos, precisamos entender o que é essa prática e como ela funciona. O confinamento de bezerros é uma estratégia muito consolidada no sistema de recria e engorda nos Estados Unidos, e, no Brasil, tem sido utilizada de três formas:
- Confinamento de recria completo: o animal é desmamado, vai para o confinamento de recria e fica confinado até a terminação.
- Confinamento durante o período de seca inteiro: o animal é desmamado e passa o período de seca inteiro no confinamento, com o período das águas estabelecido volta para o pasto.
- Confinamento no período de transição seca-águas: é uma estratégia muito utilizada para aliviar os pastos da fazenda em um período crítico.
Existem algumas diferenças entre o confinamento tradicional de engorda e o confinamento estratégico de bezerros. Diferente do confinamento tradicional, onde se utiliza de 81% a 90% de concentrado na dieta (Pinto e Millen, 2019), no confinamento de bezerros não se utilizam dietas com altas proporções de concentrado, mas sim com alta proporção de volumosos. As dietas dessa estratégia devem proporcionar ganhos “limitados” (média de 0,600 a 0,750 kg/dia), pois o objetivo não é “engordar com acabamento” os animais, e sim permitir o crescimento de tecidos magros (músculos), evitando a deposição excessiva de gordura (McAllister et al., 2020).
A estrutura para o confinamento estratégico pode ser simples. Sendo um cocho para receber a dieta dentro de um pasto selecionado. Caso a fazenda já pratique o confinamento tradicional de engorda, pode-se usar a mesma estrutura, o que ajuda a diluir os custos ao utilizá-la por mais tempo durante o ano.
O dimensionamento indicado por alguns especialistas é de 8 a 12 m² por animal, com espaçamento de cocho de 0,30 a 0,50 metros lineares por animal, além de água em boa qualidade e quantidade, atendendo ao consumo de 8% a 10% do peso vivo (Guimarães et al., 2017; Dias Filho, 2011).
Os funcionários responsáveis pelo confinamento devem ter conhecimento sobre nutrição apropriada, leitura de cocho, escore de fezes, sanidade animal, manejos sanitários e aspectos gerais. O investimento em treinamentos contínuos garante que a equipe esteja qualificada para aplicar e manter o confinamento de forma eficiente.
Várias são as razões para adotar o confinamento estratégico de bezerros, como, por exemplo, melhorar o desempenho animal, criar oportunidades de compra em diferentes épocas e, principalmente, aliviar a carga de animais sobre as pastagens em momentos críticos. Com o confinamento estratégico, conseguimos aliviar a pressão sobre os pastos, promovendo o descanso necessário para que possam rebrotar e, assim, otimizar o manejo.
Vamos abordar algumas das vantagens citadas acima:
A recria é uma fase crítica e importante na vida dos bovinos, pois é nesse momento que o animal passa pelo desmame, requerendo muitos cuidados para sua adaptação à nova fase. Em grande parte do Brasil, os bezerros são desmamados no período de transição entre as águas e a seca, entrando, assim, em um período de escassez de forragem. Essa escassez pode provocar um desempenho ruim, atrasando o crescimento do animal, o que aumenta o período de recria e a permanência na fazenda. Com o confinamento estratégico, é possível mitigar esse impacto da desmama e da escassez de alimento, garantindo um bom ganho de peso durante a recria. Isso permite que o animal atinja o peso desejado para a engorda (confinada ou a pasto) em menos tempo, reduzindo seu tempo de permanência na fazenda e aumentando o giro do rebanho.
Abaixo, seguem dados de desempenho de animais em um confinamento estratégico realizado no estado do Pará, durante o período de transição seca-águas, com dieta à base de silagem de capim Mombaça (75%) e concentrado (25%).

Outra vantagem é a oportunidade de compra em diferentes períodos. No Brasil, a sazonalidade é muito intensa, com um período de águas que oferece alta capacidade de suporte para a fazenda e um período de seca com baixa capacidade, caso a fazenda dependa exclusivamente de pastagem como fonte de volumoso. A maior oportunidade de compra de animais ocorre no início ou durante o período de águas, quando há alívio na capacidade de suporte ou quando a fazenda tem um bom estoque de forragem para a seca. Para isso, é necessário trabalhar com uma carga animal menor durante as águas, deixando de aproveitar a forragem no seu melhor momento de conversão. O confinamento estratégico permite a compra de animais em períodos de baixa disponibilidade de forragem, quando a oferta é maior devido à necessidade de alívio de carga em outras fazendas, o que pode reduzir os preços de aquisição.
Por fim, o alívio das pastagens em momentos críticos. Estudos indicam que as mudanças causadas pelos bovinos no dossel forrageiro tendem a ser mais drásticas do que as mudanças naturais no crescimento das plantas (Sollenberger et al., 2013). Isso ocorre porque os bovinos selecionam folhas verdes, que são fotossinteticamente ativas, comprometendo o crescimento da planta ao reduzir a assimilação de carbono (Sollenberger et al., 2013; Moretti et al., 2013; Roth et al., 2013). No período de transição seca-águas, as pastagens estão em seu estado mais crítico: o estoque de material seco que existia no início da seca já foi consumido ou deteriorado com as primeiras chuvas. As plantas, então, mobilizam suas reservas das raízes para emitir as primeiras folhas verdes, que serão essenciais para a fotossíntese. No entanto, se a carga animal estiver alta, essas novas folhas serão consumidas rapidamente, obrigando a planta a gastar mais reservas, o que pode comprometer seu sistema radicular e aumentar o risco de degradação. O confinamento estratégico ajuda a aliviar essa pressão no final da seca e início das águas, permitindo que os animais retornem ao pasto apenas quando as plantas já estiverem mais desenvolvidas em ponto de pastejo.
Assim como o confinamento tradicional, o confinamento de bezerros também tem seus desafios, como os custos iniciais de implantação, caso a fazenda não possua estrutura adequada, a disponibilidade e qualidade dos insumos, e questões relacionadas à saúde animal, já que a maior densidade populacional aumenta o risco de contaminações. Além disso, a adaptação dos animais ao confinamento e, posteriormente, sua readaptação ao pasto são pontos críticos. É importante garantir que, ao saírem do confinamento, os animais encontrem pasto de qualidade e um suplemento adequado no cocho. Caso contrário, podem perder desempenho. O ganho de peso esperado no confinamento é determinado também com base na condição que os animais vão receber após saírem dele, pois quanto mais rica em nutrientes for a dieta de confinamento mais peso esse animal vai ganhar, porém sua exigência nutricional também vai aumentar, e quando voltar para o pasto, se essas exigências não forem supridas o animal vai ter um desempenho inferior ao esperado.
Deve-se ter muita atenção também ao balanceamento de proteína e energia da dieta do confinamento. Como citado em parágrafos anteriores não é interessante que esse animal de recria deposite gordura, principalmente subcutânea. Dietas muito ricas em energia podem provocar acúmulo de gordura e prejudicar o desenvolvimento muscular.
Em resumo, o confinamento estratégico de bezerros é uma ótima estratégia para aliviar a pressão sobre as pastagens, aumentar o desempenho durante a recria e, consequentemente, encurtar o ciclo produtivo na fazenda, além de proporcionar oportunidades de compra em diferentes épocas. No entanto, como qualquer estratégia, possui desafios que precisam ser cuidadosamente avaliados antes de sua implementação.
Referências:
- NEVES, A. L. et al. Impacto do confinamento de bezerros na saúde animal durante o desmame. Revista Brasileira de Zootecnia, 2019.
- RODRIGUES, F. S. et al. Manejo sanitário em confinamento de bezerros: desafios e soluções. Ciência Animal Brasileira, 2020.
- PINTO, A. C. J.; MILLEN, D. D. Nutritional recommendations and management practices adopted by feedlot cattle nutritionists: The 2016 Brazilian survey. Canadian Journal of Animal Science, v. 99, p. 392-407, 2019.
- SOLLENBERGER, L.; COLEMAN, S. W.; VENDRAMINI, J. M. B. As interações entre plantas e herbívoros em pastagens. In: REIS, R. A.; BERNARDES, T. F.; SIQUEIRA, G. R. (Eds.). Forragicultura: Ciência, tecnologia e gestão dos recursos forrageiros. Jaboticabal: Maria de Lourdes Brandel – ME, 2013. p. 69-80.
- MORETTI, M. H. et al. Performance of Nellore young bulls on Marandu grass pasture with protein supplementation. Revista Brasileira de Zootecnia, v. 42, p. 438-446, 2013.
- GUIMARÃES, L. A.; DE NARDI JUNIOR, G.; OLIVEIRA, P. A. Análise e viabilidade econômica em um sistema de confinamento para a terminação de gado de corte Anelorado. Tekhne e Logos, v. 8, n. 1, p. 42-52, 2017.
- DIAS FILHO, A. Técnicas aplicadas para o confinamento de bovinos. Curso de Medicina Veterinária, Universidade de Brasília, 2011.
- ABIEC – Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne. Exportações brasileiras de carne bovina, 2018. Disponível em: https://www.abiec.com.br/. Acesso em: 22 out. 2024.
- ALMEIDA, F. et al. Confinamento de bezerros no período de transição seca-águas e seus efeitos sobre recria e terminação. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias Campus Jaboticabal, 2021.
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