Quais são os fatores determinantes para o crescimento das pastagens no Brasil Central?

Escrito por:
José Vilela Rezende Neto
Consultor Sócio Exagro

Olá, seguidores do blog Pasto Com Ciência. Nestas próximas semanas, iremos colocar um pouco mais de ciência nas postagens para demonstrar como ocorre a produção de pastagem e porque existem diferenças produtivas entre as regiões do país.

Já foi citado em postagens anteriores neste blog que a produção das pastagens tropicais acontece no Brasil de maneira sazonal devido as características de pluviometria, luminosidade e temperatura das estações primavera e verão. Caso não tenha lido essa postagem, clique aqui!

Esse fato acontece porque a produção de forragem é consequência da disponibilidade e utilização dos fatores do meio físico (temperatura e radiação solar), limitada pela disponibilidade de fatores manejáveis, que são basicamente nutrientes e água. (NABINGER,1997).

Mas afinal, quais são os limiares desses tópicos e como podemos utilizar essas informações a nosso favor no planejamento forrageiro?

Este artigo irá explicar, de maneira resumida e prática, quais impactos esses fatores climáticos exercem sob as forrageiras tropicais ao longo do ano e como podemos utilizar estas informações a nosso favor.

Fotoperíodo e radiação solar:

A radiação solar possui papel fundamental no processo da fotossíntese e do crescimento vegetal. Ela é responsável pelo desencadeamento das várias atividades metabólicas, responsáveis principalmente pela assimilação de carbono e produção de energia para a manutenção dos tecidos existentes (LARA, 2011).

Sem limitação hídrica ou nutricional, a produtividade passa a ser basicamente controlada pela quantidade de energia radiante disponível para a cultura (MONTEITH et al., 1991), e a estrutura do dossel passa a ser ponto fundamental para permitir maior e/ou menor acesso da cultura à energia radiante disponível.

Após Brougham (1956) perceber a relação entre a interceptação luminosa, o índice de área foliar e a taxa de acúmulo, vários trabalhos buscaram avaliar o efeito da interceptação nos tópicos citados pelo autor. Os resultados corroboraram com os dados de Brougham (1956), constatando que a fotossíntese no final dos períodos de rebrota diminuía com o aumento da interceptação luminosa devido à baixa disponibilidade de radiação dentro do dossel.

Molan (2004), durante experimento para a avaliação das características produtivas e fisiológicas de capim Braquiária, afirmou que quanto maior a altura de manutenção do pasto, maior será a interceptação luminosa e menor é a taxa de acúmulo de biomassa subsequente.

Rodrigues e Rodrigues (1998) apresentaram resultados de um trabalho sobre a resposta de plantas forrageiras à luminosidade e apontaram que a redução da disponibilidade de luz diminui a produção de raízes, de rizomas e o teor de carboidratos de reserva das plantas forrageiras. Em comparação com a disponibilidade luminosa de 100%, os níveis de 64%, 43% e 29% de luz disponível, causaram quedas de produtividade de 10%, 46% e 48% respectivamente. Contudo, os autores sugerem estes limiares de insolação:

Fonte: CARNEVSKIS, 2016.

De maneira geral, para o Brasil central, podemos dizer que: quanto maior o tempo de insolação, maior será o potencial produtivo da forrageira. Em raros momentos teremos insolação abaixo do nível tolerável.

Temperatura:

As principais vias metabólicas das plantas, como a fotossíntese e a respiração, são catalisadas por enzimas, e, portanto, bastante impactadas pela temperatura. Isso porque a temperatura é um dos fatores que controla as taxas de como elas atuam. A fotossíntese, que fornece a energia necessária ao crescimento e outros processos metabólicos, é dependente de temperatura para determinar o início e também a parada do processo, devido a dependência de uma faixa de temperatura adequada. (TAIZ; ZIEGER, 2016).

A temperatura ótima para o crescimento das forrageiras tropicais pode chegar até os 40°C (MOTT E PEPENOE, 1975). Baixas temperaturas (abaixo de 10°C) restringem o crescimento das forrageiras tropicais a próximo de zero.

Temperaturas muito elevadas (acima de 40°C) fazem com que a planta aumente a taxa respiratória, ocasionando perda de água mediante ao esfriamento evaporativo. Esse é o mecanismo de defesa da planta contra altas temperaturas, mantendo a planta relativamente fria mesmo sob condições de luz solar plena. O esfriamento pela transpiração é importante, pois a fotossíntese é um processo dependente da temperatura, mas, por outro lado, a perda ativa de água para manutenção da temperatura dentro da faixa ideal significa que o esfriamento representa um custo energética para a planta. (TAIZ; ZEIEGER, 2016)

Idealmente, as temperaturas durante o dia devem ser ótimas para a fotossíntese e o acúmulo líquido de forragem, enquanto a noite as temperaturas mais baixas conservam energia através da redução do metabolismo respiratório (PEDREIRA, 2009).

A figura a seguir demonstra a capacidade fotossintética da Brachiaria em função do aumento da temperatura do ar. Foi possível, através de medições diretas, gerar uma equação de regressão que permite simular a fotossíntese em função da temperatura (LARA, 2011). Note que a resposta fotossintética apresenta correlação alta (R²=0,99) com a temperatura do ar, dentro de uma janela normalmente encontrada no Brasil central. (LARA, 2011)


Fotossíntese foliar média de cinco genótipos de Brachiaria Spp. Em função da temperatura do ar, colhidas a 15 cm (A) e a 7,5 cm de altura (B). (LARA, 2011)

As temperaturas mínima e máxima que limitam o crescimento das plantas recebem a denominação de temperatura base inferior(Tbi) e temperatura base superior, respectivamente, sendo que a temperatura base (Tbi) é definida por Mcwilliam (1978) como a temperatura que limita o acúmulo de massa de forma que este se torne nulo ou “desprezível”.

A temperatura base inferior (Tbi) pode ser atingida nas áreas tropicais, principalmente em áreas altas e/ou em regiões de maior latitude, durante períodos específicos do ano que irão comprometer o crescimento. O conhecimento das temperaturas base permite zonear áreas de produção efetiva para as espécies cultivadas, determinando a eficiência do emprego de diversas tecnologias (PEDREIRA, 2009).

Andrade (2013), realizou uma revisão bibliográfica e trouxe parâmetros de Tbi para as gramíneas tropicais comumente utilizadas no Brasil.

Tabela 2: Temperatura-base inferior para diferentes gramíneas tropicais e subtropicais determinadas em condições de campo no Brasil

Fonte: ANDRADE, 2013

De maneira geral, para o Brasil Central, podes afirmar que: raramente haverá momentos de interrupção do crescimento forrageiro devido ao frio e que quanto mais quente a temperatura do ar, melhor para a fotossíntese (Até 40°C).

É importante frisar que existe alta correlação entre temperatura do ar e radiação solar. Ou seja, é possível dizer que quando tivermos dias quentes, também haverá forte incidência de radiação solar.

Como a medição da radiação solar incidente requer aparelhos sofisticados e na maioria das vezes caros, a maneira mais simples de medir as duas variáveis com um único indicador é através do acompanhamento das temperaturas máximas e mínimas em sua propriedade. Desta forma, mediremos de maneira indireta a radiação solar.

Carnevskis (2016), ao compilar dados de várias estações meteorológicas espalhadas pela Brasil, identificou que dificilmente a temperatura mínima média do ar chega a menos de 15°C na maior parte do território nacional. Concluiu que, de acordo com os limiares indicados na tabela abaixo, não há limitação pela temperatura onde há pastagens.

Tabela 3: Limiares de tolerância das pastagens em relação as temperaturas mínimas e máximas

Fonte: CARNEVSKIS, 2016.

Pluviometria:

Em climas tropicais, com temperaturas médias anuais entre 24 e 30 °C e pequena variação na radiação solar, o fator térmico perde importância e a disponibilidade de água no solo torna-se o principal fator que afeta a produtividade das forragens tropicais (MÜLLER et al., 2002).

A demanda hídrica das plantas dá-se por meio de toda água perdida pela sua transpiração durante os processos de trocas gasosas e pela evaporação do solo. A soma dessas duas variáveis denomina-se evapotranspiração (ET) (REICHARDT, 2012).

Além do controle do uso da água pela planta, a quantidade de água disponível depende da textura e profundidade explorada do solo, além das características do sistema radicular, em termos de sua profundidade e superfície de absorção, além do estágio vegetativo da cultura sob análise. (PEDREIRA, 2009).

A disponibilidade de água para as plantas na pastagem pode aumentar sob condições de pastejo, em decorrência da redução da superfície transpirante após desfolha pelos animais, o que gera a maior disponibilidade de água, estimulando então a fotossíntese.

Quando a deficiência hídrica é severa, o crescimento das folhas cessa, as folhas curvam sua superfície (diminuindo a área de exposição ao sol), os estômatos se fecham (evitando a perda de água) e a fotossíntese e a transpiração são reduzidas a próxima de zero.

Simultaneamente, a evapotranspiração de água da planta também é paralisada, levando ao aumento da temperatura e ao concomitante aumento da taxa respiratória, que consome os carboidratos de reserva, podendo comprometer a rebrota subsequente (VOLENEC E NELSON, 1984).

Em períodos de déficit moderado, como na maior parte dos veranicos, os prejuízos à produção das plantas e à sobrevivência são menores, já que, apesar de a expansão celular ser diminuída em decorrência da menor pressão de turgor das células, a multiplicação celular não cessa, permitindo que haja um crescimento compensatório com o restabelecimento dos níveis de água no solo (SANTOS et al., 2004).

Carnevskis (2018) estudou regiões aptas para a implantação de projetos de irrigação de pastagens e identificou que em 40% do território nacional faz-se necessária a utilização da irrigação para suprir momentos de déficit hídrico, enquanto os outros fatores limitantes para a produção (temperatura e radiação) não comprometem a produção potencial da gramínea.

Fonte: CARNEVSKIS, 2016.

O fator climático que mais limita a produção forrageira é a ausência de chuvas entre os meses de maio a setembro. Embora os outros dois fatores (temperatura e luminosidade) comprometam a produção por ficarem em condições toleráveis, a pluviometria se mantém em déficit, limitando fortemente o potencial produtivo que ainda é fornecido pelos outros dois.

Uma das maneiras de saber o quanto o déficit hídrico impacta na produtividade forrageira é ter em mãos a relação entre a evapotranspiração real sobre a evapotranspiração potencial (tema que iremos abordar no próximo artigo). Este indicador determina o quanto a planta está deixando de evapotranspirar devido à falta de água no meio onde está inserida, penalizando desta maneira a produtividade potencial.

De posse destas informações, vários estudos foram realizados com o objetivo de determinar equações matemáticas que visam prever qual será a produção de acordo com os parâmetros climáticos disponíveis. A seguir temos um exemplo comparando o potencial produtivo climático de três fazendas reais com solos parecidos, de acordo com a equação de regressão proposta por Felipe Tonato (2010).



Note que o potencial produtivo da região norte do Mato Grosso é bem superior às demais regiões devido aos fatores de temperatura, luminosidade e pluviometria serem mais favoráveis a produção forrageira. Isso impacta diretamente na capacidade de suporte, estratégia nutricional e no planejamento anual das atividades agropecuárias (compra, venda, adubações etc.)

É importante lembrar que o fato de possuir maior potencial produtivo não significa que irá produzir mais capim e obter maiores lotações, porque produtividade potencial não é igual a produtividade real. Você saberá mais nas próximas publicações.

Obter a maior produção não significa obter a maior rentabilidade, pois a produção da forragem é somente o início de todo um ciclo complexo que ainda irá passar por várias outras etapas como colheita, conversão, comercialização, suplementação etc.

Devemos buscar sermos eficientes em todas as etapas produtivas e lembrar que tudo começa nas pastagens, sendo a produtividade por hectare um dos pilares das fazendas mais lucrativas. Continue acompanhando as postagens para saber como tirar o melhor proveito do potencial produtivo forrageiro que sua propriedade apresenta.

Um bom resultado se constrói com a base de conhecimento, cresce com o esforço e dedicação e se multiplica com o compartilhamento das práticas de sucesso.

Referências:

NABINGER, C. Eficiência do uso de pastagens: disponibilidade e perdas de forragem. In: Fundamentos do pastoreio rotacionado. p. 213-252. – Anais do 14° simpósio sobre manejo da pastagem. Publisher: FEALQ: Piracicaba Editors: A.M. Peixoto, J.C. Moura, V.P. Faria

LARA, M. A. S. Respostas morfofisiológicas de genótipos de Brachiaria spp. sob duas intensidades de desfolhação e modelagem da produção o de forragem em função das variações estacionais da temperatura e fotoperíodo: adaptação do modelo CROPGRO. Tese (Doutorado em Ciência Animal e Pastagens). 212p. Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2011.

RODRIGUES, L. R. A .; RODRIGUES T. J. D. Ecofisiologia das plantas forrafeiras. In: Ecofisilofia da produção agrícola. CASTRO, P. R. C., FERREIRA, S. O., YAMADA, T. (Edit). Piracicaba. POTADOS,1987. P. 203-227

TAIZ, L.; ZEIGER, E. Fisiologia vegetal. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. 719 p.

TAIZ, L.; ZEIGER, E.; MOLLER, I.; MURPHY, A. Fisiologia e desenvolvimento vegetal. 6.ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. 888 p

PEZZOPANE, J. R. M.; SANTOS, P. M; CRUZ, P. Gd.; BOSI, C.; SENTELHAS, P. C. An integrated agrometeorologial model to simulate Marandu palisade grass productivity. In: Field Crops Research, ed 224,  p.13–21, 2018. 

PEDREIRA C. G. S.; Tonato F, Lara M. A. S.; (2009) Forrageiras: Brachiaria, Panicum e Cynodon. In: Agrometeorologia dos cultivos: o fator meteorológico na produção agrícola. INMET, Brasília, pp 426–447.

MCWILLIAM , J. R. Response of pastures plants to temperature. In: WILSON, J. R. (Ed.). Plant relation in pastures. Melbourne: CSIRO, 1978. p.17–34.

ANDRADE, A. S. Mudanças climáticas e o acúmulo de forragem do capim-marandu: cenários futuros para o estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Ciência Animal e Pastagens) – Universidade de São Paulo (USP). Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 2013.

CRUZ, P. G. Produção de forragem em Brachiaria brizantha: adaptação, geração e avaliação de modelos empíricos e mecanicistas para estimativa do acúmulo de forragem.  Tese (Doutorado em Ciência Animal e Pastagens) – Universidade de São Paulo (USP). Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 2010.

MORENO, L. S. B. Produção de forragem de capins do gênero Panicum e modelagem de respostas produtivas e morfofisiológicas em função de variáveis climáticas. Dissertação (Mestrado em Ciência Animal e Pastagens) – Universidade de São Paulo (USP). Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 2004.

MOLAN, L. K. Estrutura do dossel, interceptação luminosa e acúmulo de forragem em pastos de capim-marandu submetidos a alturas de pastejo por meio de lotação contínua. 159 f. Dissertação de Mestrado, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 2004. (10.11606/D.11.2004.tde-16092004-162818).

SOUZA, D. P. Consumo de água, relações hídricas e biométricas em dois sistemas de cultivo irrigado de Urochloa brizanta (Syn. Brachiaria brizantha) cv. Marandu. Dissertação de Mestrado – USP / Escola Superior de agricultura “Luiz de Queiroz”. 147p. Piracicaba, 2017.

REICHARDT, K,; TIMM, L. C. Solo, planta e atmosfera: conceitos, processos e aplicações. 2. ed. Barueri, SP: Manole, 2012.

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