Relato de caso: Inverno chuvoso?

Gustavo Ferreira
Trainee Exagro

Em grande parte das regiões brasileiras, temos estações muito bem definidas, com um inverno caracterizado por temperaturas mais amenas e clima seco, e um verão mais quente e chuvoso. Isso ocorre principalmente quando analisamos as regiões mais centrais do país, onde se concentram os maiores rebanhos de bovinos de corte brasileiros. Mas você sabia que, em algumas regiões do país, temos um cenário completamente diferente? Regiões onde temos um inverno muito chuvoso e um verão com menores índices pluviométricos?

Hoje vamos falar de um grupo de fazendas em que as chuvas se concentram de março a agosto e entender um pouco melhor como isso influencia no planejamento alimentar das propriedades e nas estratégias do sistema como um todo.

Localizadas em Ibateguara-AL, município próximo à divisa entre Pernambuco e Alagoas e distante cerca de 130 km de Maceió, as fazendas são voltadas à produção de gado de corte em sistema de ciclo completo, envolvendo a cria, recria e a engorda de animais. A região apresenta relevo montanhoso, predominando nela o cultivo de cana de açúcar e atividades agropecuárias.

Embora estejamos falando da região Nordeste, onde predomina o clima semiárido, caracterizado por baixos índices pluviométricos e altas temperaturas em todo o ano, as fazendas costumam apresentar bons volumes de chuva, variando entre 1200 e 1800 mm. Isso ocorre devido à pequena distância entre as propriedades e o litoral, o que faz com que possuam um clima denominado como tropical atlântico. Essa pequena distância do litoral também faz com que a região sofra influência das massas de ar Equatorial Atlântica e Tropical Atlântica, que resultam na ocorrência de chuvas no período de outono e inverno, variando entre março e agosto. O histórico pluviométrico pode ser visto na imagem abaixo, que mostra a média de chuvas ao longo dos 10 últimos anos em dois pontos diferentes das fazendas em questão.

É interessante analisar como chove sistematicamente menos na Fazenda 1, com média de 1225 mm, contra 1450 mm da fazenda 2. Isso não é por acaso. A fazenda com maior média pluviométrica fica mais próxima ao litoral e, à medida que avançamos mais no sentido do interior do estado, o volume de chuvas cai drasticamente, passando pela região de agreste até chegar ao sertão de Alagoas, onde a média pluviométrica anual fica entre 400 e 600 mm.

Mas vocês devem estar se perguntando: como fica o suporte da fazenda com este cenário de chuvas?

Bom, o suporte da fazenda também possui algumas peculiaridades. Como já vimos em outros posts aqui no blog, a capacidade de suporte das pastagens é influenciada por alguns fatores, como a taxa de acúmulo de forragem, que por sua vez também é dependente de outras variáveis. Dentre essas, temos umidade, temperatura e luminosidade como grandes influenciadoras do crescimento do capim. Isso faz com que, embora tenhamos um aumento do suporte das pastagens na época de chuvas, ele não seja tão expressivo assim, uma vez que temos redução na temperatura ambiente e na incidência de luz.

Taxa de acúmulo: qual sua importância no planejamento da produção de forragens nas fazendas?

Este elevado volume de chuvas contraposto com baixas luminosidade e temperatura resulta em um fenômeno conhecido na região como seca verde. Isso se dá justamente por termos água suficiente para o crescimento do capim, mas a luminosidade e a temperatura serem limitantes, resultando em reduzido crescimento, praticamente estático, embora continue verde.

Além disso, com o excesso de chuvas, há um certo grau de encharcamento do solo em algumas áreas de baixada, impossibilitando o pastejo dos animais, o que reduz a área efetiva de pasto e, consequentemente, o suporte total da fazenda.

Por outro lado, nos meses em que há menor quantidade de chuvas, o solo ainda possui bastante umidade e, com a melhora da incidência de luz e elevação das temperaturas, o capim ainda apresenta um certo crescimento. Este balanço entre o verão e o inverno permite que o suporte se mantenha nos níveis mostrados abaixo, resultando em um suporte bastante equilibrado ao longo do ano, quase constante, diferente do que observamos no centro oeste brasileiro.

Para ajustar a taxa de lotação ao suporte, dependemos de uma série de fatores, como planejamento de compra e venda de animais, suplementação, nível de desempenho de cada categoria, entre outros. Assim, não é possível que uma estratégia ou medida isolada seja capaz de ajustar a taxa ao suporte de forma completa.

Uma das estratégias utilizada pelas fazendas para alcançar este ajuste é a realização de duas estações de monta, o que, dentre outros benefícios, permite a manutenção de uma lotação mais constante ao longo do ano, sempre visando a manutenção de boa oferta de forragem aos animais. . Assim, temos uma primeira estação de monta se iniciando em maio e indo até julho, e a segunda estação de monta começando em outubro e terminando no início de janeiro. Isso aumenta a quantidade de atividades no calendário da fazenda e a quantidade de categorias, mas permite um fluxo mais constante de entrada de animais em monta e de descarte de animais improdutivos, o que, somado às vendas dos bois pesados, contribui para a manutenção da lotação em valores ajustados ao longo do ano.

Além disso, as fazendas trabalham com inseminação artificial há muito tempo e contam com um rebanho de genética superior, com grande parte das fêmeas de reposição emprenhando aos 14 meses. Isso permite que uma categoria de recria seja eliminada e essas fêmeas substituam matrizes mais velhas e pesadas, o que gera um alívio de carga nas pastagens e permite ter um maior número de animais produtivos na fazenda. Abaixo temos um calendário resumido de atividades, para facilitar a visualização dos manejos para os diferentes grupos ao longo do ano.

É interessante destacar que o fato de haver duas estações de monta na fazenda não diminui o rigor no descarte de animais improdutivos e que porventura não emprenhem em uma estação. Vacas que não emprenham em uma estação são descartadas da mesma forma que devem serem fazendas que só possuem uma única estação de monta. Para isso, os lotes de animais de cada estação são separados na fazenda. Aliás, nessas fazendas temos ainda uma pequena porcentagem de descarte voluntário de fêmeas, que são retiradas da estação justamente para que não emprenhem e possam dar lugar às novilhas precoces. A única categoria que passa de uma estação para a outra são as novilhas precoces que entram com 14 meses em monta e caso não emprenhem, voltam na estação seguinte com idade próxima a 20 meses. Desta forma, existe sempre um fluxo mais constante de animais ao longo do ano nas fazendas e a lotação fica mais ajustada ao suporte.

São inúmeras as possibilidades de interferência e estratégias de manejo em cada situação e é muito importante o entendimento dos fatores que influenciam cada fazenda, em cada região, para que as propostas resultem em melhorias no sistema como um todo e permitam o alcance das metas estabelecidas. A estratégia eleita funciona nesta fazenda e nesta região porque está alinhada aos impactos climáticos na produção forrageira.

 

Até breve!

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